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2015-02-23

Nutrição

Vale a pena suplementar glutamina?

A glutamina é o aminoácido mais abundante em nosso organismo. Por ser produzida endogenamente (diga-se de passagem em grandes quantidades), podemos classificá-la como um aminoácido não-essencial (ou condicionalmente essencial, pois em algumas circunstâncias suas reservas “esgotam-se”, como veremos adiante). Além disso, a glutamina não é apenas abundante em nossos músculos, mas também nos músculos de outros animais e em muitos vegetais. Logo, é relativamente fácil ingerir grandes quantidades de glutamina pela dieta. Estima-se que a ingestão média de glutamina via alimentação gire em torno de 5 g/dia. Diante de um aminoácido produzido em larga escala pelo nosso organismo e que é facilmente consumido em grandes quantidades, será que a suplementação é realmente necessária?!


Sim, suplementar glutamina pode ser necessário, mas apenas e tão somente quando houver depleção de glutamina. Por isso, é fundamental entender em quais situações essa depleção ocorre. Mas, antes, vamos ao básico.



O que é e o que faz a glutamina?


A glutamina é um aminoácido produzido nos músculos cuja principal função em nosso organismo é servir de combustível para algumas células específicas, principalmente aquelas que constantemente se multiplicam, como é o caso de células do intestino, do sistema imune, e das que participam de processos de cicatrização. Logo, o bom funcionamento dessas depende quantidades circulantes suficientes de glutamina.



O que é e quando ocorre depleção de glutamina?


O local responsável por produzir e “armazenar” glutamina é o músculo. Esse mesmo tecido também joga glutamina à circulação sanguínea para que ela possa ser utilizada por outros órgãos e células. Uma vez que outros tecidos dependem da retirada da glutamina presente no sangue para manter seus estoques, é necessário haver um constante equilíbrio entre produção de glutamina (pelos músculos) e utilização de glutamina (por outros tecidos). Sempre que houver desequilíbrio e a utilização for maior do que a produção, haverá redução de glutamina no sangue. Se tal desequilíbrio for muito grande, pode-se dizer que houve depleção de glutamina.



Quando a queda de glutamina passa a ser crítica para o sistema imune?


Quantidades normais de glutamina no sangue variam entre 600 e 1200 mmol/l. Estudos com células em cultura mostram que as células do sistema imune começam a perder suas funções quando as concentrações de glutamina ficam abaixo de 200 mmol/l. Em humanos, concentrações abaixo de 300-400 mmol/l parecem ser críticas para a função imune e, portanto, associadas à imunossupressão e ao aumento da susceptibilidade à infecções.



O que causa depleção de glutamina?


Em situações normais, a produção de glutamina excede muito a sua utilização. No entanto, quando um indivíduo apresenta ferimentos extensos pelo corpo, quando sua ingestão proteica é baixa, ou quando realiza exercícios, o consumo de glutamina por outros tecidos aumenta. Dependo da extensão dos ferimentos, ou do tempo de baixa ingestão proteica, o consumo de glutamina pelos tecidos pode exceder em muito sua produção, e as concentrações sanguíneas podem atingir valores críticos. Por esse motivo, não é raro encontrar pacientes acidentados em UTIs que cursam com imunossupressão e depleção de glutamina. Nesses casos, é comum oferecer aos pacientes terapia de “suplementação” de glutamina.



O exercício também tem esse efeito?


O exercício físico, principalmente os de longa duração, aumenta o uso de glutamina pelo fígado (o fígado transforma glutamina em glicose para manter o fornecimento de energia aos músculos). No entanto, a queda de glutamina que ocorre durante o exercício é muito menos intensa do que aquela que se observa em pacientes em UTI. Para se ter uma ideia, nenhum estudo até hoje conseguiu demonstrar que a glutamina fica abaixo de 400 mmol/l, mesmo após uma maratona! É óbvio que a maioria das pessoas que frequentam academia, ou até mesmo atletas de competição, não realizam exercícios tão prolongados e extenuantes como uma prova de 42 km. Portanto, é altamente improvável que o exercício físico leve à depleção de glutamina.



Em que situações o exercício pode levar à depleção de glutamina?


Estudos mostram que atletas em overtraining (uma espécie de síndrome em que o atleta, por causa de excesso de treinamento, apresenta cansaço e fadiga crônicas, queda significativa de desempenho e imunossupressão, com diversos episódios de infecções oportunistas) que sofriam de infecções oportunistas tinham concentrações de glutamina abaixo de 400 mmol/l. Em casos como esses, faria sentido suplementar glutamina. No entanto, faria muito mais sentido corrigir seu regime de treino e fazê-lo recuperar-se do overtraining. Nas demais condições que envolvem exercício físico, treinamento e competições, não há queda de glutamina abaixo de tais limites críticos e, portanto, não há motivo para suplementar glutamina.



A glutamina é um “anti-catabólico” e pode ajudar no ganho de massa magra?


Existem sim estudos que mostram algum efeito “anti-catabólico” da glutamina (isto é, redução da perda de massa muscular). Todavia, é preciso deixar claro que todos esses estudos foram conduzidos em pacientes com quadros graves de atrofia (ou perda de massa) muscular. Em sujeitos saudáveis, o que realmente pesa para o equilíbrio “perda-ganho” de massa muscular são os processos anabólicos (de ganho). Portanto, aqueles preocupados em cultivar seus músculos devem dar menos importância para processos catabólicos, e mais para os anabólicos. Em tempo, os poucos estudos em indivíduos saudáveis testando o efeito “anti-catabólico” da glutamina são bem claros: não funciona.



Trocando em miúdos


Se você está preocupado em melhorar sua imunidade, ou em aumentar sua musculatura, não gaste seu precioso dinheiro com um suplemento que, além de facilmente ingerido nos alimentos, não irá funcionar. Mas se você pensou em suplementar glutamina para melhorar sua função intestinal, não perca o próximo post!



Guilherme Artioli - Blog Ciência INforma


www.cienciainforma.com.nr



Para saber mais:


Hiscock N, Pedersen BK. Exercise-induced immunodepression- plasma glutamine is not the link. J Appl Physiol (1985). 2002;93(3):813-22.


Antonio, J, et al. The effects of high-dose glutamine ingestion on weightlifting performance. J Strength Cond Res, 2002. 16(1):157-60.


Parry-Billings, M, et al. Plasma amino acid concentrations in the overtraining syndrome: possible effects on the immune system. Med Sci Sports Exerc, 1992. 24(12):1353-8.


Kingsbury, K.J., L. Kay, and M. Hjelm, Contrasting plasma free amino acid patterns in elite athletes: association with fatigue and infection. Br J Sports Med, 1998. 32(1):25-32.


Parry-Billings, M, et al. Does glutamine contribute to immunosuppression after major burns? Lancet, 1990. 336(8714):523-5.


Curi, R., Newsholme, et al. Metabolic fate of glutamine in lymphocytes, macrophages and neutrophils. Braz J Med Biol Res, 1999. 32(1), 15-21.









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Prof. Bruno Gualano, PhD
Prof. Associado da Universidade de São Paulo

Profa. Desire Coelho, PhD
Nutricionista Clínica e Esportiva

Profa. Fabiana Benatti, PhD
Professora Doutora da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp

Prof. Guilherme Artioli, PhD
Prof. Dr. da Universidade de São Paulo

Prof. Hamilton Roschel, PhD
Prof. Dr. da Universidade de São Paulo