2015-02-02
Vida e Saúde
Exercício na obesidade: pensando “fora da caixa” (Parte 2)
No post passado, propus que pensássemos sobre o “antes e depois” de M.J., nossa participante imaginária obesa que participou de um programa de 1 ano de caminhada/corrida ! Vimos que ela perdeu 2 Kg na “temida” balança e discutimos que se a perda de peso fosse o único objetivo, tal resultado seria certamente interpretado de forma negativa. Contudo, outros resultados foram também descritos, além da seguinte pergunta: podemos dizer para M.J. que o programa foi um sucesso? Por que essa reflexão tem importância fundamental para a saúde de M.J.?
Ao olharmos para os resultados de M.J., inúmeros são os resultados positivos do exercício físico os quais seriam certamente camuflados caso apenas o peso corporal seja considerado como desfecho de sucesso para o programa.
Primeiramente, vamos ao peso corporal. Se considerarmos que M.J. vinha ganhando peso ao longo dos últimos 10 anos, o simples fato dela não apenas não ter engordado, como ter perdido 2 Kg, já é um resultado importante e, como tal, deve ser (muito) enfatizado!
Olhemos agora para a diminuição substancial da circunferência da cintura! A circunferência da cintura é uma ótima (e barata!) estimativa da quantidade de gordura visceral, a qual está altamente associada ao risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares. A boa notícia é que, por ser metabolicamente mais ativa do que a gordura subcutânea (aquela que temos no famoso “culote”), essa gordura responde muito bem ao exercício físico! Isso quer dizer que mesmo na ausência total de perda de peso, é muito comum observarmos diminuição da circunferência da cintura e isso, por si só, diminui diretamente o risco cardiovascular!
Continuando, podemos perceber que o famoso “Teste de Cooper” trouxe um resultado bastante precioso: antes M.J., percorria 1Km em 12 minutos caminhando, agora ela percorre 1,7 Km correndo. Não precisamos de um teste de esforço máximo para verificar claramente que M.J. teve uma melhora expressiva na sua capacidade aeróbia. A importância deste dado é enorme: estudos mostram que a capacidade aeróbia por si só, independente do IMC, está relacionada à menor mortalidade cardiovascular e por todas as causas, ou seja, por qualquer causa. Vale ressaltar que o mesmo vale para a força muscular!
Percebemos ainda que a glicemia de jejum, ou seja, os níveis de açúcar no sangue, de M.J. também diminuiu, estando agora, dentro dos padrões normais. Isso indica diminuição expressiva do risco de desenvolvimento de diabetes do tipo 2.
Por fim, simples perguntas nos mostram ainda o quanto tarefas do dia a dia de M.J., como “fazer compras” ou “brincar com os netos”, melhoraram em decorrência do programa de exercícios físicos! Ao serem enfatizadas, certamente motivaram a paciente a permanecer no programa!
Vejam, não estou aqui dizendo que devemos desconsiderar o peso corporal no tratamento da obesidade. Nada disso! Estou sim chamando sua atenção para o fato de que apenas focar no peso corporal, algo que é proposto há décadas, não está funcionando, já que a prevalência da obesidade aumenta a cada dia!
O que peço, é que olhemos para o tal “tratamento” da obesidade com outros olhos! Peço que foquemos no fato de que se enfatizarmos outros tantos desfechos positivos do exercício, não apenas eles, por si só, diminuirão o risco de desenvolvimento de doenças crônicas, mas também irão favorecer a permanência do paciente obeso no tratamento. Isso, em última instância, poderá levar à perda de peso corporal gradativa e persistente!
Mas para isso, é fundamental que pensemos “fora da caixa”! É fundamental que abordemos o problema de forma mais abrangente e complexa e, quem sabe assim, teremos de fato resultados positivos no longo prazo!
Fabiana Benatti - Blog Ciência Informa
www.cienciainforma.com.br
Para saber mais:
Ross R, Bradshaw A. The future of obesity reduction: beyond weight loss. Nat Rev Endocrinol 2009; 5:319-326.
Ross R, Janiszewski PM. Is weight loss the optimal target for obesity-related cardiovascular disease risk reduction?
Cooper R, Kuh D, Hardy R 2010 Objectively measured physical capability levels and mortality: systematic review and meta-analysis. BMJ 341:c4467.
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