2017-09-04
Vida e Saúde
“Se eu não tomar meu antibiótico até o fim, vou criar bactérias resistentes?”
De tanto repetida, a ideia de que se deve completar o ciclo de antibiótico para se curar a doença e evitar resistência à bactéria já se tornou um senso comum. No entanto, um recente artigo põe em xeque a eficácia dessa conduta, e sugere que o uso prolongado – e não a interrupção do antibiótico – é o que aumenta os riscos de resistência à infecção.
Quem já não ouviu falar que o ciclo do antibiótico não deve ser jamais interrompido, a fim de evitar resistência bacteriana?
Ao que parece, essa recomendação está com os dias contados. É o que defendem pesquisadores infectologistas britânicos, num artigo publicado na prestigiosa revista British Journal of Medicine.
A mensagem de que a interrupção do uso de antibióticos – mesmo quando o paciente se sente melhor – pode resultar no crescimento de bactérias resistentes tem sido propagada por diversas campanhas de saúde em todo o mundo, algumas das quais lideradas pela própria Organização Mundial da Saúde. Contudo, essa alegação não encontra respaldo científico adequado.
Basicamente, bactérias resistentes podem ser originadas por mutações genéticas espontâneas durante o tratamento, condição denominada seleção-alvo. Este é o caso, por exemplo, que pode ocorrer com a bactéria Mycobacterium tuberculosis, causadora da tuberculose. Outra forma de surgimento de bactérias resistentes é a chamada seleção colateral, em que bactérias aparentemente inofensivas que habitam nosso intestino se tornam patógenos resistentes durante o tratamento para outras infecções. Um exemplo seria a Escherichia coli, com a qual convivemos em nosso ambiente (e em nosso organismo), e que pode atuar como um organismo oportunista e resistente. Hoje em dia, a seleção colateral é a forma mais comum de desenvolvimento de bactérias resistentes. E quão mais longo for o tratamento, maiores são as chances de seleção de organismos resistentes à ação do antibiótico.
Tradicionalmente, os antibióticos são prescritos por períodos mais longos (ex.: 10-14 dias), por conta do receio de um tratamento sub-ótimo e geração de organismos resistentes. Na contramão dessa conduta, porém, há estudos que demonstram que ciclos mais curtos são tão efetivos quanto os mais longos, com as vantagens de reduzir recorrência de infecções e resistência a antibiótico.
A própria concepção de um ciclo fixo de antibiótico parece falha, posto que ignora as respostas individuais dos pacientes. Alternativamente, a fim de nortear a interrupção do uso de antibióticos, sugere-se o uso de biomarcadores – como a procalcitonina, que se eleva durante infecções – ou de modo ainda mais simples, a resolução dos sintomas – como a febre, por exemplo. Novos estudos, entretanto, devem ser realizados a fim de testar se recomendações como “pare de tomar o medicamento quando se sentir melhor” são, de fato, superiores à tradicional “tome o medicamento exatamente como prescrito”.
Concluem os autores que a responsabilidade acerca do uso – e interrupção – de antibióticos deve ser compartilhada entre médico e paciente, com vistas a uma cura completa da doença e, ao mesmo tempo, uma exposição mínima ao medicamento. A individualização do tratamento torna-se peça-chave na manutenção dessa preciosa – embora finita – fonte terapêutica que são os antibióticos.
Até a próxima.
Bruno Gualano - Blog Ciência InForma
www.cienciainforma.com.br
Para saber mais sobre o tema:
Llewelyn et al. The antibiotic course has had its day. BMJ 2017;358:j3418
Costelloe C et al. Effect of antibiotic prescribing in primary care on antimicrobial resistance in individual patients: systematic review and meta-analysis. BMJ2010;358:c2096.
Uranga A et al. Duration of antibiotic treatment in community-acquired pneumonia: a multicenter randomized clinical trial. JAMA Intern Med2016;358:1257-65.
Schuetz P et al. Procalcitonin algorithms for antibiotic therapy decisions: a systematic review of randomized controlled trials and recommendations for clinical algorithms. Arch Intern Med 2011;358:1322-3
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