Em tempos de culto ao corpo belo, esbelto e jovem, parece ser cada vez mais forte o desejo de combater os efeitos do envelhecimento. Inúmeros são os tratamentos oferecidos, que vão desde procedimentos cirúrgicos invasivos e agressivos até dietas em que a “paranoia antioxidante” é regra geral. No entanto, basta entender um pouco melhor sobre a biologia do envelhecimento para que percebamos como a grande maioria desses tratamentos não pode entregar o que promete. Entender a biologia do envelhecimento também nos revela o que podemos fazer para minimizar seus efeitos.
Envelhecimento como parte natural e inexorável do desenvolvimento
Embora tenhamos uma certa repulsa à ideia de envelhecermos, o que nos leva a querer impedi-lo completamente, é claro que é absolutamente impossível “parar no tempo” ou, em outras palavras, parar de envelhecer. É importante entendermos que o envelhecimento é parte natural do nosso processo de desenvolvimento, sendo caracterizado por perda progressiva de função. Trata-se de um processo inevitável por definição. Na melhor das hipóteses, nossa capacidade de interferir sobre o envelhecimento resume-se a retardar seus efeitos ou desacelerar seu progresso.
DNA mitocondrial e telômeros: a biologia por trás do envelhecimento
Existem diversas teorias sobre o envelhecimento. Duas das mais interessantes envolvem o DNA. Vale lembrar que o DNA está presente no núcleo das células (onde se organiza na forma de cromossomos), mas que também existe uma pequena molécula de DNA no interior de cada mitocôndria.
Uma das teorias do envelhecimento baseia-se no fato de que os cromossomos são encurtados toda vez que uma célula é dividida. Isso ocorre porque a forma como o DNA é copiado (sempre que a célula se divide, é preciso fazer uma cópia do DNA) faz com que um pequeno pedaço de suas extremidades, regiões conhecidas por telômeros, seja perdido. Assim, as gerações mais novas de células de um tecido terão telômeros cada vez mais curtos conforme esse tecido envelhece. Portanto, o envelhecimento é acompanhado de encurtamento de telômeros. O que isso tem a ver com perda de função? Tudo, pois ao atingir um comprimento “crítico” de telômero, a célula se torna instável, perde sua capacidade proliferativa e eventualmente morre. Tal fenômeno será especialmente crítico naqueles tecidos cujas células estão em constante renovação, como é o caso dos epitélios e mucosas (ex.: pele e intestino, entre outros). Isso ajuda a explicar porque a perda da capacidade regenerativa das células da pele, uma das causas da perda de sua elasticidade, é tão característica do envelhecimento.
Outra importante teoria do envelhecimento baseia-se no acúmulo de mutações no DNA mitocondrial que ocorre ao longo do tempo. Uma vez que as mitocôndrias são responsáveis por produzir energia para as células, e que o DNA mitocondrial é fundamental para a produção de proteínas essenciais para a produção de energia, tal acúmulo de mutações afeta a capacidade do DNA de produzir tais proteínas, resultando em uma crise energética crônica nas células. Nesse contexto, cabe a pergunta: qual a origem das mutações no DNA mitocondrial? Entendamos: dentro das mitocôndrias, o oxigênio é o elemento base para a produção de energia. Ocorre que, quando o oxigênio é utilizado nesse processo, espécies reativas (os famosos radicais livres) são formadas. A mitocôndria é, portanto, um local de intensa produção de radicais livres. Esses elementos altamente reativos são capazes de “atacar” diversas moléculas, incluindo o DNA que está ali dentro da mitocôndria. Ao ser “agredido” pelos radicais livres, o DNA sofre danos e mutações, os quais afetam a qualidade das proteínas que ele dá origem. Outra particularidade das mitocôndrias é que elas também se multiplicam dentro das células, dando origem a mitocôndrias filhas. Nesse processo, o DNA mitocondrial é copiado e transmitido às novas mitocôndrias. Logo, se a mitocôndria mãe já apresentar danos e mutações em seu DNA, esses serão transmitidos às suas filhas. Já as filhas, além de herdar as mutações de sua mãe, também acumularão os danos que seu próprio DNA irá sofrer. Percebam que, quanto mais velho é o organismo, maior será o número de mutações acumuladas, e pior será o funcionamento de suas mitocôndrias. Essa teoria é conhecida como “teoria do envelhecimento mitocondrial”, e ajuda a explicar porque pessoas mais velhas não têm a mesma capacidade de produzir energia do que os jovens.
A teoria do envelhecimento mitocondrial explica a progressiva perda de capacidade energética que acomete as células, incluindo o músculo esquelético, que compõe o quadro de fragilidade, comum em idosos.
Além do envelhecimento cronológico: como os hábitos podem acelerar os efeitos do envelhecimento (e o que fazer para combatê-los)
Tomemos como exemplo o envelhecimento da pele. Além da inevitável perda de capacidade proliferativa de suas células e da perda da qualidade das proteínas que formam a pele (colágeno, ácido hialurônico, proteoglicanas, elastina, fribilina, etc.), muito em função de mutações ao DNA e do encurtamento de telômeros, a exposição a agentes que causam danos ao DNA e que exacerbam a produção de radicais livres (ex.: radiação solar e compostos químicos tóxicos, como o cigarro) pode aumentar os danos ao DNA e acelerar o encurtamento dos telômeros. Não à toa, os dermatologistas costumam separar o “crono-envelhecimento” do “foto-envelhecimento”. Com isso em mente, é fácil perceber porque evitar exposição excessiva ao sol, utilizar protetor solar e evitar cigarro e outros agentes tóxicos são as mais efetivas maneiras de evitar o envelhecimento precoce da pele.
No caso do envelhecimento mitocondrial, existe uma particularidade sobre o funcionamento das mitocôndrias que vale a pena mencionar: quanto melhor a função mitocondrial, menor é a quantidade de radicais livres formados. E a recíproca é verdadeira: quanto pior o estado funcional da mitocôndria, maior é a produção de radicais livres. Portanto, quanto maior o acúmulo de mutações no DNA mitocondrial, mais rapidamente novas mutações ocorrerão. É um ciclo vicioso: quanto pior, mais rápido piora. Uma vez que o músculo é especialmente dependente da produção de energia pelas mitocôndrias, a perda de qualidade mitocondrial afeta bastante a função muscular. A boa notícia é que quebrar esse ciclo vicioso passa por melhorar a função mitocondrial, algo que o exercício físico aeróbio faz muito bem. Portanto, para combater o envelhecimento mitocondrial, nada melhor do que o bom e velho exercício.
E os alimentos e suplementos ricos em antioxidantes?
Já falamos algumas vezes sobre esse assunto aqui no blog, mas não custa reforçar: não existem evidências de que exagerar no consumo de antioxidantes ou consumir suplementos supostamente antioxidantes seja capaz de retardar o envelhecimento. Portanto, esqueça as paranoias das dietas antienvelhecimento. Elas não passam de peças de marketing. No entanto, consumir quantidades inadequadas de vitaminas pode sim prejudicar a defesa antioxidante. No cômputo geral, vale mesmo a pena alimentar-se bem e praticar exercícios sempre. Em tempo: use protetor solar!
Um abraço e até a próxima!
Prof. Guilherme G. Artioli, PhD – Blog Ciência InForma
www.cienciainforma.com.br
Para saber mais:
Peterson CM et al. Skeletal Muscle Mitochondria and Aging: A Review. Journal of Aging Research, 2012, Article ID 194821
Buckingham EM, Klingelhutz AJ. The role of telomeres in the ageing of human skin. Exp Dermatol. 2011 Apr;20(4):297-302.
Kalra J, Chaudhary AK, Prasad K. Increased production of oxygen free radicals in cigarette smokers. Int J Exp Pathol. 1991 Feb;72(1):1-7.
Jurkiewicz BA1, Buettner GR. Ultraviolet light-induced free radical formation in skin: an electron paramagnetic resonance study. Photochem Photobiol. 1994 Jan;59(1):1-4.