Novos estudos da área da Neurologia têm revelado que o cérebro de pessoas obesas funciona de um modo peculiar. No post de hoje, veremos quais são as alterações biológicas cerebrais associadas com a obesidade, bem como suas possíveis causas e consequências.
A obesidade é um fator de risco para demência, em particular, doença de Alzheimer. De fato, avanços na área da Neurologia têm evidenciado diversas alterações cerebrais em pessoas obesas. Estudos de neuroimagem apontam para uma consistente atrofia cerebral em função do aumento do IMC. Nesse sentido, há evidências de que obesos também apresentam menor densidade da massa cinzenta em diversos regiões cerebrais implicadas na regulação do gosto, da recompensa e do controle de comportamento. Técnicas sofisticadas como a ressonância magnética funcional – capazes de rastrearem o fluxo de sangue em diversos sítios do cérebro e, assim, estimar sua ativação – revelam diminuição do metabolismo em centros executivos (ex: córtex pré-prontal) em resposta a ingestão de açúcar, o que poderia dificultar a conectividade com centros inibitórios (ex: hipotálamo, striatum), responsáveis, em tese, por refrear o consumo excessivo de alimentos. Além disso, há também achados que indicam que circuitos neurais – conexões articuladas de células nervosas – associados, por exemplo, à saciedade, à recompensa e ao prazer, funcionam distintamente em obesos e magros.
Que o cérebro do obeso funciona de modo distinto – sob o prisma biológico, ao menos – não resta dúvida. A pergunta que permanece indecifrada, contudo, é a seguinte: essas alterações funcionais e estruturais precedem à obesidade e, portanto, representam marcadores neurais de propensão para o ganho de peso, ou estas ocorrem como consequência da obesidade, indicando que o cérebro também é afetado pelo excesso de gordura?
Enquanto essa pergunta segue sem resposta, as especulações prevalecem. Há quem considere que as alterações descritas pelos estudos de neuroimagem expliquem algumas disfunções cognitivas observadas em obesos, como, por exemplo, redução de memória e atenção. Tais características, em última análise, prejudicariam a aderência do obeso às condutas profissionais. Em suporte a essa hipótese, estudos recentes apontam que algumas disfunções cerebrais são preditoras de sucesso ou fracasso a intervenções focadas na perda de peso.
Em contrapartida, há boas evidências de que distúrbios associados ao excesso de gordura corporal, como a inflamação crônica e a resistência à ação da insulina e da leptina, predispõem a anomalias cerebrais, como a atrofia cortical e disfunções metabólicas. Em favor dessa hipótese são os estudos que demonstram a resolução, ainda que parcial, dessas alterações em resposta a intervenções que, com sucesso, reduzem a obesidade. Por fim, seria bem possível que ambas as hipóteses fossem verdadeiras; distúrbios cerebrais seriam desencadeadores do acúmulo de peso, o qual, por sua vez, prejudicaria a funcionalidade cerebral em longo prazo, formando, assim, um perigoso círculo vicioso, que necessita de interrupção.
Atualmente, estudamos o papel da cirurgia bariátrica e do exercício físico como ferramentas potencialmente capazes de prevenir alterações estruturais e funcionais no cérebro de pessoas com obesidade mórbida. Também desejamos saber se a resolução de fatores de risco cardiovasculares (ex: resistência à insulina, dislipidemia, hipertensão) contribuem para tornar o cérebro do obeso mais saudável.
No entanto, é sempre importante lembrar que a obesidade é uma condição complexa que resulta não somente de alterações fisiológicas – como as discutidas no post de hoje – mas também de fatores genéticos, comportamentais, sociais e, até mesmo, políticos – muitos dos quais discutimos neste blog. A compreensão de cada um destes níveis de evidência é fundamental para que intervenções preventivas de sucesso sejam implementadas.
Até a próxima!
Prof. Bruno Gualano - Blog Ciência InForma
Para saber mais sobre o tema:
Del Parigi, et al. NeuroImaging and obesity: mapping the brain responses to hunger and satiation in humans using positron emission tomography. Ann. N. Y. Acad. Sci. 967, 389– 397.
Gautier, J.F., Chen, K., Salbe, A.D., Bandy, D., Pratley, R.E., Heiman, M., Ravussin, E., Reiman, E.M., Tataranni, P.A., 2000. Differential brain responses to satiation in obese and lean men. Diabetes 49, 838– 846.
Jastebroff et al. Altered Brain Response to Drinking Glucose and Fructose in Obese Adolescents Diabetes. 2016 Jul; 65(7): 1929–1939