De uns anos para cá, um acessório de treino bastante peculiar vem ganhando popularidade entre atletas de modalidades de alta intensidade: as famosas “elevation training masks”. A tradução (algo como máscaras de treinamento em altitude) leva-nos a entender que tais máscaras simulam altas altitudes, como se o atleta estivesse treinando em uma montanha. Mas será que é isso mesmo que acontece?
O princípio básico de funcionamento dessas máscaras consiste na restrição do fluxo de ar, o que obviamente dificulta a respiração. Embora o efeito desejado seja a hipóxia (isto é, baixa concentração de oxigênio no sangue – consequência típica das altas altitudes), estudos mostram que o simples uso dessas máscaras não reduz a saturação de oxigênio no sangue. Quando se faz exercício de alta intensidade, usar tais máscaras pode levar a uma redução um pouco (bem pouco!) maior na saturação de oxigênio do sangue daquela que se observa sem máscaras. Para todos os efeitos, a hipoxemia causada pelo uso dessas máscaras não se compara à hipoxemia causada pelas altas altitudes. Embora essas máscaras restrinjam o fluxo de ar, elas não afetam sua composição em termos absolutos, como ocorre em altas altitudes (lembre-se: em altas altitudes, o ar torna-se rarefeito e, embora as concentrações não se alterem em termos percentuais, a quantidade absoluta de oxigênio que chega aos pulmões é menor). Na melhor das hipóteses, essas máscaras, por dificultarem a troca de gases com o ar ambiente, podem reduzir a concentração de oxigênio às custas do aumento das concentrações de gás carbônico. Tal efeito não se observa em altas altitudes. Outra característica típica das altas altitudes que essas máscaras não conseguem simular é a baixa pressão atmosférica (pressão hipobárica). Portanto, é incorreto afirmar que tais máscaras simulam altas altitudes.
O uso dessas máscaras resulta em maior sensação de fadiga, menor resposta de lactato após o exercício, além de aumento em alguns indicadores de fadiga neuromuscular. Alguns estudos mostraram piora de desempenho quando se treina com as máscaras, o que pode sugerir piores adaptações ao treinamento em longo prazo. No entanto, estudos que compararam as adaptações ao mesmo protocolo de treinamento com e sem o uso dessas máscaras mostraram haver nenhum prejuízo ao se usar as máscaras, ou ainda respostas ligeiramente superiores quando elas são utilizadas. Outro benefício do uso dessas máscaras parece ser uma melhor adaptação dos músculos respiratórios, os quais parecem ser fortalecidos e melhorarem sua função quando se treina com máscaras que aumentam a resistência ao fluxo de ar. Essa resposta faz bastante sentido, pois o aumento da resistência ao fluxo de ar provavelmente exige que os músculos respiratórios trabalhem mais para garantir ventilação adequada durante o exercício.
Se, por um lado, a propaganda de simular a alta altitude é absolutamente enganosa, por outro há potenciais benefícios no uso desse acessório, principalmente no que diz respeito à melhora da função dos músculos respiratórios. Claro, apenas para aqueles que conseguem lidar bem com o enorme desconforto causado pela dificuldade de respirar quando seu corpo mais pede por ar.
Abraços e até a próxima!
Prof. Dr. Guilherme Artioli
Para saber mais:
Porcari JP, Probst L, Forrester K, Doberstein S, Foster C, Cress ML, Schmidt K. Effect of Wearing the Elevation Training Mask on Aerobic Capacity, Lung Function, and Hematological Variables. J Sports Sci Med. 2016 May 23;15(2):379-86.
Jagim AR, Dominy TA, Camic CL, Wright G, Doberstein S, Jones MT, Oliver JM. Acute Effects of the Elevation Training Mask on Strength Performance in Recreational Weight lifters. J Strength Cond Res. 2018 Feb;32(2):482-489
Kido S et al. Effects of Combined Training with Breathing Resistance and Sustained Physical Exertion to Improve Endurance Capacity and Respiratory Muscle Function in Healthy Young Adults. J Phys Ther Sci. 2013 May; 25(5): 605–610.
Yuri L. Motoyama, Gustavo B. Joel, Paulo E. A. Pereira, Gilmar J. Esteves and Paulo H. S. M. Azevedo. Airflow-Restricting Mask Reduces Acute Performance in Resistance Exercise. Sports 2016, 4(4), 46; doi:10.3390/sports4040046.
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