Sessões curtas de exercícios intervalados de alta intensidade têm ganhado muita popularidade nos últimos anos. A grande vantagem do HIIT está no tempo: enquanto sessões de exercícios aeróbios contínuos costumam durar 30 minutos ou mais, as de HIIT normalmente duram menos do que 15-20 minutos. Estudos têm mostrado que essa modalidade de treino é efetiva em melhorar a composição corporal e reduzir o risco para doenças cardiometabólicas. Embora sua efetividade para o emagrecimento seja semelhante à dos exercícios aeróbios, alguns estudos mostram ligeira superioridade do HIIT. Um dos argumentos mais recorrentes para essa suposta superioridade reside no aumento da oxidação de gorduras no período pós-treino. No entanto, evidências recentes põem em xeque esse conceito.
HIIT: definições e variações
Treino intervalado de alta intensidade pode ser definido como uma sessão que inclui períodos curtos de exercício (1-3 min de duração, na maioria das vezes) que se repetem durante uma sessão e são intercalados por períodos igualmente curtos de recuperação ativa ou passiva. Esses curtos períodos de atividade devem, obviamente, ser realizados em alta intensidade, preferencialmente acima de 90% do máximo. Estudos indicam que o tempo gasto acima desses 90% está diretamente associado com as respostas ao treinamento: quanto mais tempo treinando acima de 90%, melhores os resultados. Com isso em mente, é fácil perceber que aplicar HIIT de forma efetiva não é uma tarefa tão trivial. Mais do que estabelecer tempo de esforço, de intervalo e número de séries, o controle da intensidade é crítico para sua efetividade. Portanto, falhas na avaliação da aptidão física, no controle individual e rigoroso das cargas, e as conveniências das aulas em grupos podem resultar em “HIITs” que, na verdade, não são de alta intensidade.
Outra modalidade de treino em alta intensidade é o SIT, do inglês, Sprint Interval Training. Embora alguns confundam SIT com HIIT, existem algumas importantes diferenças entres eles: enquanto o HIIT é normalmente feito em intensidades submáximas, o SIT é realizado no modo all-out. Esse tipo de exercício significa realizar o maior trabalho possível dentro de um certo período de tempo. O teste de Wingate, com duração de 30 s, é um bom exemplo de exercício em modo all-out. Nesses casos, como a intensidade do esforço é a máxima possível durante todo o teste (supra máxima), intervalos um pouco maiores são necessários entre cada série. Algumas formas de SIT podem também empregar sprints mais curtos, com mais séries, e intervalos menores.
Para quem está em dúvida sobre o que é um exercício all-out, veja este vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=nVk_a849Nis
Queima de gordura durante o HIIT, o SIT e o aeróbio contínuo
Por muito tempo, o exercício aeróbio foi o “tratamento de primeira escolha” para aqueles que almejavam reduzir gordura corporal. A lógica demasiadamente simplista e imediatista por trás dessa recomendação baseava-se na queima de gordura que ocorre apenas durante o exercício: como as gorduras só são queimadas via metabolismo oxidativo, qualquer modalidade “anaeróbia” não queimaria gordura. A única solução possível seria, então, realizar longas sessões de exercício aeróbio. Atualmente, percebo que (felizmente) essa noção está cada vez mais ultrapassada. Prova disso é o HIIT ser cada vez mais frequentemente prescrito para emagrecimento.
Embora ainda exista intenso debate sobre qual tipo de treinamento é mais eficiente (o que considero algo infértil, pois não creio que exista uma única modalidade de treinamento que seja universalmente “ideal”), tenho visto gente defendendo o HIIT e suas variações com base nos seguintes argumentos:
1) HIIT e suas variações aumentam o consumo de oxigênio no período pós-treino
2) HIIT e suas variações aumentam a queima de gordura no período pós-treino
3) HIIT e suas variações queimam tantas calorias quanto o aeróbio, porém em muito menos tempo
Contudo, exceção feita ao argumento “3”, existe muita controvérsia sobre a validade dos argumentos “1” e “2”. Para analisar essa questão, vou mostrar dados de um recente estudo que comparou o gasto energético e a oxidação de lipídios em 4 situações diferentes:
a) em repouso, e durante 3 horas após o repouso
b) durante uma sessão de SIT (6 séries de 30s na bike; intervalos de 4 min), 3 horas após essa sessão
c) durante uma sessão de HIIT (4 séries de 4 min a 95% da frequência cardíaca máxima, com 3 minutos de intervalo), e 3 horas após essa sessão
d) durante uma sessão de exercício aeróbio contínuo de intensidade moderada (30 min a 80% da frequência cardíaca máxima¸ e 3 horas após essa sessão
Conforme preconiza o argumento “1”, o consumo de oxigênio após o exercício (comumente referido como EPOC, do Inglês Excess Postexercise Oxygen Consumption) foi maior nos exercícios de maior intensidade. Isso ocorre porque os exercícios de alta intensidade utilizam vias anaeróbias de produção de energia para sustentar a elevada demanda por energia; quando o exercício termina, as vias aeróbias se encarregam de restaurar as vias anaeróbias que foram “esgotadas” durante o exercício e, portanto, o consumo de oxigênio permanece aumentado por mais tempo. Entretanto, do ponto de vista estatístico, apenas o SIT teve consumo de oxigênio maior do que o aeróbio contínuo (figura abaixo), não havendo superioridade do HIIT em relação ao aeróbio. Além disso, é notório o fato desse aumento ser bastante curto, não durando muito mais do que os primeiros 60 minutos após o exercício.
Ainda que os dados acima sugiram superioridade do SIT, a avaliação do consumo total de oxigênio durante e após o exercício indica o contrário. Como se observa no gráfico abaixo, o consumo total de oxigênio durante e após o exercício é semelhante entre e aeróbio e o HIIT. Já o SIT resulta em maior consumo após o exercício, mas menor consumo durante o exercício. Para o gasto energético total, novamente não há diferença entre aeróbio e HIIT, mas o SIT foi inferior ao aeróbio e ao HIIT. No cômputo geral, não se pode afirmar que o aeróbio é inferior a nenhuma das modalidades de alta intensidade.
Por fim, ao se avaliar a queima de gordura, observa-se que o modelo de SIT foi ligeiramente superior no período pós-exercício. No entanto, a quantidade de gordura queimada a mais é bastante diminuta, e não passa de 4 g a mais nas 3 horas que seguem após o exercício. Considerando que cerca de 30% da amostra não conseguiu sequer completar o protocolo de SIT por conta dos desconfortos associados à sua intensidade demasiadamente alta, deixo aqui meus questionamentos: será que a maioria dos protocolos de HIIT que se faz por aí são assim tão superiores ao tradicional aeróbio contínuo a ponto de justificar tanto fervor ao se defender os exercícios de alta intensidade? Ao se optar pela alta intensidade, será que a máxima de que “quanto mais intenso, melhor” realmente faz sentido? O HIIT é, sem dúvidas, mais uma excelente opção de treino que os profissionais têm em sua “caixa de ferramentas”, assim como também é o aeróbio contínuo. Independente de qual a escolha, é importante conhecer os prós e contras de ambas as modalidades de treinos e, em vez de julgar qual é a “ideal”, o profissional deve, acima de tudo, saber como implementá-las de forma a otimizar seus prós e minimizar seus contras.
Um abraço e até a próxima!
Guilherme Artioli
ps. dedico este post ao Prof. Emerson Franchini, da USP, quem considero um dos melhores estudiosos do tema no Brasil e por quem tenho profunda admiração. Recentemente, assisti a uma aula sobre HIIT por ele ministrada, o que me inspirou a ler mais sobre o assunto e escrever sobre o tema aqui no blog.
Leituras sugeridas:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26950358
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23539308
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23832851
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22289907