Intuitivamente, é natural fazermos uma analogia direta entre a magnitude da carga levantada e o ganho de massa muscular, não é verdade?! Neste sentido, parece incomum, para a maioria, conceber a ideia de que é possível obter ganhos significantes de massa muscular utilizando cargas mais baixas. O post de hoje trata deste assunto...
Um dos primeiros relatos científicos acerca da eficiência do treinamento de força no aumento da força e função musculares data dos anos 40. Desde então, uma série de estudos têm suportado o uso do treinamento de força seja no esporte/desempenho/fitness ou na prática clínica, combatendo doenças associadas à perda de massa, força e função musculares, por exemplo.
Apesar do enorme interesse científico nesta temática, não há um modelo de treinamento de força que promova um estímulo “ótimo” para a hipertrofia muscular. Há, ainda, quem argumente - com razão - que não é possível se determinar uma única forma “ótima” de se estimular o crescimento muscular através do treinamento de força que se aplique à toda população.
A recomendação mais atual da maior entidade relacionada à Ciência do Exercício (o American College of Sports Medicine - ACSM) preconiza que praticantes iniciantes ou intermediários utilizem cargas entre 70-85% da sua força máxima – 1RM, realizando algo entre 8 e 12 repetições por série num total de 1 a 3 séries por exercício. Já para praticantes avançados, a mesma entidade diz que a carga adequada deveria estar entre 70 e 100% 1RM, variando entre 1 e 12 repetições por série em um total de 3 a 6 séries por exercício.
O ponto mais interessante disso tudo é que esta recomendação, apesar de ser feita por um colegiado dedicado à pesquisa, encontra um respaldo muito, muito pequeno na literatura. Na verdade, evidências recentes apontam numa direção bastante diferente, na qual, a partir de um estudo de meta análise (tipo de estudo que utiliza técnicas matemáticas para sumarizar em uma única medida os resultados de estudos independentes sobre um mesmo assunto) pode-se concluir que a carga, em si, parece exercer um papel muito pequeno, se algum, no ganho de massa muscular - desde que as repetições dentro de uma série são realizadas até a falha concêntrica. Em outras palavras, independente da carga utilizada, o estímulo hipertrófico estará preservado se você realizar as repetições até não conseguir mais mover a carga durante a fase de encurtamento muscular (fase concêntrica do movimento) sem ajuda.
Dois estudos bastante interessantes dão suporte à esta sugestão. Em um deles, os autores observaram que realizar uma sessão aguda de exercícios de força tanto em alta (90% 1RM) quanto em baixa intensidade (30% 1RM) são capazes de induzir aumentos similares na taxa de síntese proteica, desde que realizados até a falha concêntrica. A importância da realização das séries de exercício até a falha se mostrou fundamental, uma vez que a mesma carga baixa (30% 1RM), quando utilizada de maneira submáxima, ou seja, sem que as séries fossem feitas até a falha, não induziu aumentos importantes da síntese proteica, o quê, em última análise, poderia indicar que o exercício de baixa intensidade realizado de maneira submáxima não seria capaz de induzir aumentos de massa muscular significativos.
O segundo estudo avaliou o efeito crônico de uma manipulação muito similar. Neste, os autores observaram aumentos comparáveis de massa muscular entre os grupos que treinaram com baixa (30% 1RM) ou alta (80% 1RM) intensidade até a falha concêntrica. Contudo, é importante destacar que os ganhos de força foram maiores no grupo que treinou com cargas elevadas, sugerindo que, em atletas (ou em indivíduos que visem maximizar os ganhos de força), sob o ponto de vista funcional, intensidades elevadas podem ser superiores, mesmo quando o exercício for realizado até a falha.
Assim, não se assustem ao se depararem com indivíduos musculosos se exercitando com cargas aparentemente baixas até a exaustão. De acordo com as evidências mais recentes, funciona!
Bons treinos!
Prof. Dr. Hamilton Roschel - Blog Ciência inForma
Sugestão de leitura:
-Schoenfeld BJ, Wilson JM, Lowery RP, Krieger JW. Muscular adaptations in low- versus high-load resistance training: a meta-analysis. Eur J Sport Sci. 2014;1–10.
-Mitchell CJ, Churchward-Venne TA, West DWD, et al. Resistance exercise load does not determine training-mediated hypertrophic gains in young men. J Appl Physiol. 2012;113(1):71–77.
-Burd NA, Holwerda AM, Selby KC, et al. Resistance exercise volume affects myofibrillar protein synthesis and anabolic signalling molecule phosphorylation in young men. J Physiol. 2010;588(pt 16):3119–3130.