No meu último post, escrevi sobre os diversos problemas do uso do IMC na prática clínica para avaliação do risco cardiovascular, principalmente pela sua incapacidade de diferenciar massa gorda de massa magra e de avaliar a distribuição de gordura corporal. Diante disso, é natural assumirmos que a avaliação destes parâmetros forneça bons indicativos do risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Mas será que há ferramentas adequadas para essas avaliações? Será que elas podem, de fato, ser utilizadas como preditoras de risco?
Se há uma medida que desperta verdadeiro encantamento (por vezes misturado com estresse) em muitas pessoas, é o percentual de gordura corporal. Tal fato parece se justificar pela enorme preocupação que se tem hoje com a estética e com os potenciais problemas associados ao excesso de gordura corporal. Contudo, há um fato bastante curioso que muitos desconhecem: embora a quantidade de gordura corporal esteja associada com maior risco cardiovascular, não há valores de referência que infiram qual ou quais percentuais de gordura corporal conferem maior ou menor risco. Os valores que muitos consideram como “ideais”, os quais variam amplamente de acordo com diferentes fontes, parecem ser absolutamente arbitrários e, muitas vezes, pautados na estética. Isso significa que é incorreto dizer que uma pessoa tenha que ter 15, 20, 25 ou 30% de gordura corporal para se manter saudável, pois não há bons valores de referência para isso.
Isso não que dizer que a mensuração do percentual de gordura corporal não tenha utilidade. Ela pode sim ser muito útil e valiosa! Um bom uso, por exemplo, seria no acompanhamento de uma pessoa que inicia um programa de exercícios físicos. Avaliar a composição corporal antes e após determinado tempo de treinamento pode fornecer bons indicativos da perda de gordura e ganho de massa magra em resposta a essa intervenção, podendo ser uma ferramente de motivação para a pessoa.
Mas por que será que o percentual de gordura não é uma boa medida para avaliação do risco cardiovascular? Provavelmente porque mais importante do que a quantidade de gordura corporal, é a sua distribuição! Sabemos que a gordura localizada na parte superior do corpo, a chamada gordura abdominal, particularmente aquela que fica na cavidade visceral (“entre os órgãos”), está altamente associada ao maior risco de desenvolvimento de doenças crônicas, particularmente doenças cardiovasculares e diabetes.
É possível medir a quantidade de gordura visceral? Sim! Sua avaliação especiífica se faz por meio da ressonância magnética ou da tomografia computadorizada. Contudo, ambos os métodos tem custo elevadíssimo, o que os torna impraticáveis na prática clínica. Mas a boa notícia é que há uma forma efetiva, fácil e super barata de se estimar a quantidade de gordura visceral: a mensuração da circunferência da cintura (CC). Esta pode ser feita com uma simples fita métrica. Diferentemente do percentual de gordura, há bons valores de referência para CC que inferem maior ou menor risco:
Mais recentemente, pesquisadores passaram a sugerir ainda a utilização da medida de CC relativizada pela altura (CC/altura), ambas medidas em cm. Isso, pois, dois sujeitos com a mesma CC, mas alturas diferentes, possuem diferentes percentuais de gordura abdominal. Neste caso, o sujeito mais alto terá menor percentual do que o mais baixo. Para esta medida, a seguinte regra parece valer: mantenha sua CC em valores menores do que a metade da sua altura. Isso significa que a relação CC/altura deve ser < 0,5.
Logo, embora muitas pessoas tenham curiosidade em saber seu percentual de gordura corporal, é importante termos em mente que a quantidade de gordura abdominal é mais relevante para a avaliação do risco cardiovascular. E lembrem-se, caso a sua CC esteja elevada, há uma forma barata e altamente efetiva em diminui-la: a atividade física! E o melhor, isso pode ocorrer independentemente de qualquer perda de peso corporal!
Até a próxima!
Fabiana Benatti - Blog Ciência inForma
Para saber mais:
Alberti KG, Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ, Cleeman JI, Donato KA, Fruchart JC, James WP, Loria CM, Smith SC Jr; International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; Hational Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; International Association for the Study of Obesity. Harmonizing the metabolic syndrome: a joint interim statement of the International Diabetes Federation Task Force on Epidemiology and Prevention; National Heart, Lung, and Blood Institute; American Heart Association; World Heart Federation; International Atherosclerosis Society; and International Association for the Study of Obesity. Circulation. 2009 Oct 20;120(16):1640-5.
Ashwell M, Gunn P, Gibson S. Waist-to-height ratio is a better screening tool than waist circumference and BMI for adult cardiometabolic risk factors: systematic review and meta-analysis. Obes Rev. 2012 Mar;13(3):275-86.