As mudanças de paradigmas não são exatamente novidades nas áreas de nutrição e atividade física. A bola da vez? A relativamente baixa eficácia do treinamento físico na perda de peso corporal. Há por aí quem já descarte a atividade física como ferramenta de controle de peso corporal, acusando de charlatões aqueles que ainda se atrevem a recomendá-la. Hora de enterrar velhos conceitos ou revisitá-los com mais atenção?
Quando o assunto é nutrição ou atividade física, as discussões são sempre acaloradas e, muitas vezes, polarizadas. O “Fla-Flu” do dia: a suposta ineficácia da atividade física como ferramenta de controle do peso corporal. Em meio a posições “inflamadas”, a polêmica se cria até onde não deveria existir. Temos que lembrar que a controvérsia só existe na ciência quando resultados apontam para direções opostas. No post de hoje, vamos discutir o que há de controverso sobre o tema, e o que não passa de mero equívoco conceitual.
O papel da atividade física como ferramenta de controle do peso corporal: um olhar fisiológico
Por conceito, atividade física refere-se a qualquer tipo de movimento corporal que resulta em gasto energético. Tendo em vista que o balanço energético é determinante para o controle do peso corporal, podemos concluir com toda segurança que o gasto energético imposto pela atividade física contribui para um balanço negativo. O mesmo podemos dizer sobre a redução da ingestão energética; consumir menos calorias obviamente contribui para um déficit energético. Por algum motivo não tão claro para mim, tem-se travado uma briga insana entre os defensores da dieta ou da atividade física como “agente primário” no controle do peso corporal. O fato é que déficits energéticos similares promovidos por aumento do gasto (via atividade física) ou redução do consumo (via dieta restritiva) geram perdas similares de peso corporal. Não obstante, os efeitos fisiológicos de um e de outro podem diferir no que se refere, por exemplo, à composição corporal e capacidade física, como se verifica nos estudos do grupo CALERIE (ver referências no final do texto). Nestes, participantes que foram submetidos a uma dieta restritiva ou a um programa de exercícios físicos, ambos planejados cuidadosamente para induzir déficits energéticos iguais (até 20%) ao longo de um ano, apresentaram, como esperado, perdas de peso similares (cerca de 10%). Portanto, do ponto de vista fisiológico, a manipulação do balanço energético, seja aumentando o gasto, seja diminuindo o consumo, resulta em alteração do peso corporal (e viva a primeira lei da termodinâmica!). Em outras palavras, não rasguem seus livros de fisiologia; o velho conceito de que o exercício “queima” calorias continua vigente, e sobre isso não há controvérsia!
O papel da atividade física como ferramenta de controle do peso corporal: um olhar clínico
A conclusão de que a atividade física é uma ferramenta relativamente ineficaz para reduzir o peso corporal advém de estudos clínicos, a maioria dos quais avalia o papel do treinamento físico (modalidade de atividade física programada) sobre o peso dos participantes. De fato, a perda de peso corporal em estudos que avaliam o efeito do exercício sem manipulação da dieta é apenas “modesta” (2 a 5 Kg de peso corporal em média), especialmente em comparação à cirurgia bariátrica, tida como intervenção mais efetiva para este fim, que chega a reduzir 40% do peso corporal. A razão para a baixa eficácia do exercício observada na literatura se deve a vários fatores, sendo os principais: a) baixa aderência ao programa de treinamento; b) aumento de consumo alimentar compensatório ao gasto energético do treino; c) programas com intensidade, frequência e/ou duração insuficientes; d) aumento do comportamento sedentário compensatório ao gasto energético do treino; e) aumento de massa magra, que contribui positivamente para o peso corporal. Percebam que todos esses fatores, com exceção do “e” – que é uma grande vantagem do exercício sobre outras intervenções – dizem respeito à qualidade do programa ou ao comportamento do indivíduo. De fato, há na ciência do exercício uma importante área comportamental dedicada a estudar “facilitadores” (ou motivadores) e “barreiras” à prática de atividade física, já que praticantes de atividade física mais assíduos tendem a apresentar resultados muito mais positivos. A compreensão desses fatores é fundamental para o sucesso de programas individualmente planejados para pessoas com excesso de peso corporal, uma vez que a ideia de que “um formato serve para todos” (“one size fits all”) parece totalmente ultrapassada em intervenções que visam a mudanças de estilo de vida. Evidentemente, o acompanhamento nutricional é tão importante quanto o exercício (nem mais, nem menos) para que os benefícios do programa sejam potencializados, como demonstram diversos estudos clínicos. Por fim, cabe destacar que programas que focam, simultaneamente, no aumento da prática da atividade física – seja ela programada (treinamento físico) ou espontânea (caminhar, subir escadas, etc) – e na redução do comportamento sedentário possuem potencial superior a cada um destes isolados, como sugerem recentes estudos. Em suma, a suposta ineficácia de programas de treinamento físico para o controle de peso corporal – que de fato é controversa, pois depende de todos os fatores acima – passa provavelmente por falhas em sua concepção, prescrição ou exequibilidade, embora não se discuta o potencial de seu “princípio ativo”. Analogamente, quando afirmamos que dietas restritivas não funcionam, referimo-nos à dificuldade de implementá-las em longo prazo, e não a sua capacidade de modular o balanço energético. Tanto é verdade que seus resultados de curto prazo são sempre animadores, não é mesmo?
Para concluir
Diante das dificuldades inerentes às mudanças de comportamento, é cômodo desqualificar a importância do exercício e da alimentação como agentes capazes de controlar o peso corporal. Difícil mesmo é lançar mão de intervenções bem elaboradas capazes de promover mudanças conscientes no estilo de vida, que gerem benefícios duradouros. Alegar que a atividade física não é eficaz em modular o balanço energético, ou absurdamente negar a importância deste para o controle do peso corporal, é bater de frente com princípios sólidos da fisiologia. A limitada capacidade de programas de exercício (e nutricionais, por que não?) em modular o peso corporal advém, em grande medida, da dificuldade em propor intervenções bem atrativas às pessoas, o que, com efeito, é um dos grandes desafios da ciência e da saúde pública. A disputa entre exercício vs. nutrição não tem vencedor; ambos são complementares e sinérgicos no manejo da obesidade. E por falar no manejo da obesidade, concluo relembrando que o peso corporal é um alvo clínico pobre, que pouco reflete a pluralidade de ações do exercício, razão pela qual afirmar que a atividade física é uma prática ineficaz nessa condição revela um olhar míope sobre o tema, além do que incentiva a busca por soluções mágicas que não existem.
Prof. Dr. Bruno Gualano - Blog Ciência InForma'
www.cienciainforma.com.br
Para saber mais sobre o tema:
Improvements in glucose tolerance and insulin action induced by increasing energy expenditure or decreasing energy intake: a randomized controlled trial. Weiss EP, Racette SB, Villareal DT, Fontana L, Steger-May K, Schechtman KB, Klein S, Holloszy JO; Washington University School of Medicine CALERIE Group. Am J Clin Nutr. 2006 Nov;84(5):1033-4
Calorie restriction or exercise: effects on coronary heart disease risk factors. A randomized, controlled trial. Fontana L, Villareal DT, Weiss EP, Racette SB, Steger-May K, Klein S, Holloszy JO; Washington University School of Medicine CALERIE Group. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2007 Jul;293(1):E197-20
Physical Activity and Dietary Determinants of Weight Loss Success in the US General Population. Wilson P. Am J Public Health. 2016 Feb;106(2):321-6.